sexta-feira, 3 de junho de 2011

primeiro texto

Então, o nosso principal foco é o ENEM, que hoje se apresenta como a principal forma de entrada para o ensino superior no país... A prova busca, como temos visto, a interpretação e um olhar crítico isento de preconceitos... Assim sendo, abrimos o ano com o texto fundamental do Roque Laraia, de seu livro "Cultura: Um conceito antropológico". O mesmo segue abaixo:

A CULTURA CONDICIONA A VISÃO DE MUNDO DO HOMEM

            “Ruth Benedict escreveu em seu livro ‘O crisântemo e a espada’ que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas. [...]
            A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos o comportamento desviante. Até recentemente, por exemplo, o homossexual corria o risco de agressões físicas quando era identificado numa via pública e ainda é objeto de termos depreciativos. Tal fato representa um tipo de comportamento padronizado por um sistema cultural. Esta atitude varia em outras culturas. Entre algu­mas tribos das planícies norte-americanas, o homossexual era visto como um ser dotado de propriedades mágicas, capaz de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, e, portanto, respeitado. [...]
      O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determi­nada cultura.
Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que indivíduos de culturas diferentes podem ser facil­mente identificados por uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencio­nar a evidência das diferenças lingüísticas, o fato de mais imediata observação empírica.
Mesmo o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia humana podem refletir diferenças de cultura. Tomemos, por exemplo, o riso. Rir é uma proprie­dade do homem e dos primatas superiores. O riso se expres­sa, primariamente, através da contração de determinados músculos da face e da emissão de um determinado tipo de som vocal. O riso exprime quase sempre um estado de alegria. Todos os homens riem, mas o fazem de maneira diferente por motivos diversos.
A primeira vez que vimos um índio Kaapor rir foi um motivo de susto. A emissão sonora, profundamente alta, assemelhava-se a imaginários gritos de guerra e a expressão facial em nada se assemelhava com aquilo que estávamos acostumados a ver. Tal fato se explica porque cada cultura tem um determinado padrão para este fim. Os alunos de uma nossa sala de aula, por exemplo, estão convencidos de que cada um deles tem um modo particular de rir, mas um observador estranho a nossa cultura comentará que todos eles riem de uma mesma forma. Na verdade, as diferenças percebidas pelos estudantes, e não pelo observador de fora, são variações de um mesmo padrão cultural. Por isto é que acreditamos que todos os japoneses riem de uma mesma maneira. Temos a certeza de que os japoneses também estão convencidos que o riso varia de indivíduo para indivíduo dentro do Japão e que todos os ocidentais riem de modo igual. Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas. Enfim, poderíamos continuar indefinidamente mostrando que o riso é totalmente condi­cionado pelos padrões culturais. [...]
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autodenominações de diferentes grupos refletem este ponto de vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se autodenominavam "os entes humanos"; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os esqui­mós também se denominam "os homens"; da mesma forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas", pois não acreditavam que os ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu território tribal está situado bem no centro do mundo. É comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o germe do racis­mo, da intolerância, e, freqüentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros. [...]
O ponto fundamental de referência não é a humanida­de, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, em relação aos estrangeiros”. A está aversão ao estrangeiro, chamamos de xenofobia. “A chegada de um estranho em determinadas comunidades pode ser considerada como a quebra da ordem social. [...]. Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são vistas como absurdas, deprimentes e imorais”.

(LARAIA, Roque de B. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. pp. 67-74)

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